Publicado
em 29 de Outubro de 2012 | Autor: Laís Fraga Kauss
Resenha
Editorial:
PALAVRAS-CHAVE: Benefícios
por incapacidade; demanda judicial; perícia judicial; conciliação.
INTRODUÇÃO
A Autarquia Previdenciária é
instada a se defender em inúmeras ações judiciais por todo o País semanalmente.
Os temas envolvem todos os benefícios previdenciários concedidos e
administrados pelo INSS; são pessoas insatisfeitas que buscam no Judiciário a
concessão de seu pleito. A maior concentração de demandas, no entanto, é de
aposentaria por idade rural e de benefícios por incapacidade, temporária ou
definitiva.
A quantidade de pedidos de
aposentadoria por idade rural é perfeitamente compreensível se considerada a
realidade fundiária do Brasil. Trata-se de País com grande extensão de terras
produtivas e, por outro lado, o benefício em questão só tem requisitos
fático-probatórios, sem necessidade de contribuições mensais. Essas demandas,
dessa forma, atingem enormes proporções nas cidades do interior do País.
Já, nas capitais, o público
do INSS concentra-se na área urbana e os pedidos judiciais têm outro caráter.
Envolvem principalmente reconhecimento de tempo trabalhado em condições
especiais para a saúde, com a diminuição da sobrevida do trabalhador, e, em
maior quantidade, os benefícios por incapacidade.
Este breve estudo pretende
versar sobre a forma como são tratadas as demandas previdenciárias sobre
benefícios por incapacidade nas Procuradorias Federais Especializadas junto ao
INSS, com foco principal nas práticas adotadas pela PFE-INSS do Rio de Janeiro
nos últimos cinco anos.
CONTEXTO
JUDICIAL
Cerca de 70% das citações
recebidas pela PFE-INSS nas capitais do Brasil versam sobre benefícios por
incapacidade, conceito em que estão incluídos o auxílio-doença, o
auxílio-acidente, a aposentadoria por invalidez e o benefício assistencial por
deficiência. Em uma realidade como a do Rio de Janeiro, isso representa algo em
torno de 325 novos processos semanais sobre o tema.
Há algumas explicações para
essa concentração e volume de ações por incapacidade nas capitais: o ritmo das
grandes cidades com o consequente desgaste para a saúde dos trabalhadores, o
maior nível de informação da população urbana, o subjetivismo das decisões
médicas, o histórico protecionista do Judiciário e o desemprego, entre outras.
Não é o objetivo deste trabalho desenvolver a questão, talvez em uma próxima
oportunidade.
Os processos são, em regra,
ajuizados perante os Juizados Especiais Federais, tendo em vista que os
indivíduos incapazes não geram renda e têm urgência em receber o provimento
jurisdicional para o próprio sustento e da família, o que significa ajuizamento
rápido e causas de pequeno valor de atrasados.
O procedimento jurisdicional
nos Juizados Especiais Federais é peculiar e único, seja em decorrência do
neoliberalismo processual, que exige produção e celeridade a qualquer custo,
seja em razão do protagonismo judicial do Magistrado, que desvaloriza a
discussão endoprocessual e privilegia as alegações do autor.
Tratando de benefício por
incapacidade, o procedimento necessariamente gira em torno de uma perícia
judicial. A perícia tem algumas finalidades: atestar a existência e o grau da
incapacidade e indicar a sua data de início e provável duração.
A existência da incapacidade
é pressuposto para todos os benefícios baseados na saúde do trabalhador, mas os
demais aspectos – grau, duração e data de início – influenciam diretamente na
espécie do benefício e nos aspectos formais exigidos pela lei – qualidade de
segurado e carência.
A incapacidade pode ser
parcial ou total, temporária ou permanente. A incapacidade parcial pode gerar
direito a auxílio-doença, quando temporária, ou auxílio-acidente, quando
permanente. A incapacidade total, por sua vez, se temporária, pode gerar direito
a auxílio-doença e, se permanente, pode ser causa de aposentadoria por
invalidez ou benefício assistencial.
Ainda, a data de início da
incapacidade é o ponto crucial para, na análise das contribuições
previdenciárias vertidas em nome do autor, verificar o cumprimento dos
requisitos formais da qualidade de segurado e carência.
O procedimento padrão nos
Juizados Especiais Federais não inclui prova pericial prévia à citação, isso
porque os Tribunais impõem prazo de trinta dias do ajuizamento para a citação do
réu, o que inviabiliza a realização do ato pericial e a juntada do respectivo
laudo. As contestações da Autarquia Previdenciária, por conseguinte, acabam
sendo genéricas, apenas para o fornecimento dos dados constantes nos sistemas
do INSS. Não há como analisar os requisitos de concessão do benefício sem a
produção da prova pericial, como já mencionado.
Nesse contexto, a discussão,
a possibilidade de acordo e a formação da convicção fundamentada do Magistrado
ocorrem após a juntada do laudo médico pericial do perito do juízo.
PERITOS
JUDICIAIS E PERÍCIA PREVIDENCIÁRIA
A escolha dos peritos
judiciais pelos Magistrados tem realidades diversas entre os grandes centros e
o interior do País. Nos grandes centros, os Magistrados têm maior gama de
possibilidades na nomeação de um especialista, ao revés do que ocorre nas
cidades do interior.
Nas grandes cidades, o maior
obstáculo é a remuneração dos peritos. Os honorários periciais fixados pela
Justiça Federal são baixos em relação ao que cobra um médico de renome por uma
consulta e demoram muitos meses para serem pagos. Além disso, a perícia
judicial implica maior trabalho para o médico, pois a tarefa inclui a
elaboração de laudo, resposta aos quesitos e, eventualmente, novas
participações no processo. Em função de tudo isso, a escolha dos peritos nas
grandes cidades acaba por incidir sobre médicos recém formados ou
aleatoriamente escolhidos em guias de planos de saúde.
No interior do País, por sua
vez, o maior obstáculo é a falta de opção e de especialistas. O Magistrado
acaba sendo obrigado a submeter a sua pauta de perícias à disponibilidade da
agenda do médico e às suas exigências de local e quantidade. Isso quando há a
aceitação do médico em participar. Nointerior, é mais complicado tentar
qualquer tipo de organização ou projeto que envolva perícias judiciais em razão
da relação de dependência que se cria para com os poucos médicos disponíveis na
localidade.
Soma-se ao problema da
escolha a questão da especialização pericial. A perícia previdenciária tem características
muito diferentes das atividades de consultório. O médico que atende um paciente
no consultório tem por objetivo o diagnóstico e o tratamento de moléstias. Para
isso, sua atividade se baseia no pressuposto de que tudo o que está sendo
relatado pela parte é verdadeiro. O perito previdenciário, ao contrário,
baseia-se em evidências e no conceito de capacidade laborativa, e não na
existência da doença.
Diante do quadro existente
para a escolha dos peritos judiciais, é evidente que exigir especialização em
perícia previdenciária seria uma verdadeira utopia. No entanto, as realidades
práticas precisam ser superadas e a qualidade dos atos periciais precisa
evoluir para a melhor defesa do interesse público primário.
ASSISTÊNCIA
TÉCNICA
Médicos
peritos em atividade judicial
O quadro de servidores
atuantes no apoio da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS é formado
por servidores da própria Autarquia. A PFE-INSS é órgão do INSS, previsto em
seu regimento interno. Embora exista o projeto em prática de unificação da
defesa judicial exercida pelas Procuradorias Federais Especializadas em
Procuradorias sob a égide da Procuradoria-Geral Federal, com estrutura
garantida pela Advocacia-Geral da União, a previsão normativa é para que o
quadro de apoio seja cedido à AGU.
O fato é que, enquanto a
defesa judicial do INSS estiver sob o comando da Procuradoria Federal
Especializada, o seu apoio é formado por servidores da Autarquia, assim como
toda a estrutura física e material para funcionamento. O apoio da PFE inclui os
médicos peritos em funções judiciais.
O quadro de servidores do
INSS está muito defasado em relação à necessidade. A Autarquia está crescendo,
abrangendo maior número de cidades, sem que, com isso, haja o correspondente
aumento de servidores, administrativos e médicos.
Além disso, a Autarquia,
como todos os demais organismos da Administração Pública, precisa de números,
produtividade que justifique o orçamento, os servidores e as suas necessidades
em geral. O apoio à PFE não gera números produtivos para esse fim, pois não
entra nos quesitos estatísticos analisados pela Autarquia.
A falta de visibilidade, a
carência de médicos peritos para trabalho direto com a população nas Agências
da Previdência Social e a falta de previsão regimental dificultam muito a lotação
de médicos nas Procuradorias e, consequentemente, o desempenho da assistência
técnica nos processos judiciais de benefícios por incapacidade.
Dessa forma, a defesa da
Autarquia nos processos de benefício por incapacidade está a exigir cada vez
mais dedicação e tempo das chefias das Procuradorias, pois, para tentar superar
os obstáculos trazidos pela necessidade de produtividade nas Agências e pela
falta generalizada de médicos peritos disponíveis, é necessário demonstrar em
números a importância e o resultado trazidos pela presença do corpo técnico no
trabalho judicial.
Projetos
e experiências
Tendo em vista todo esse
contexto, em 2008 a PFE-INSS, no Rio de Janeiro, iniciou, com a participação de
dois médicos peritos, o projeto denominado perícia prévia. Adotado por alguns
dos Juizados Especiais Federais Previdenciários, consistia em proceder, antes
da citação, a uma nova perícia com um médico perito do INSS.
Quando o perito concluía
pela incapacidade, ao ser citada, a Procuradoria analisava os aspectos formais
da qualidade de segurado e carência e tinha o laudo como base para a
propositura de acordo judicial. Por sua vez, quando o perito concluía pela
ausência de incapacidade, o processo seguia como se a perícia não houvesse
existido, com contestação, perícia judicial e sentença.
O projeto não se mostrou
benéfico. Na realidade consistia em proporcionar nova chance para rever um
indeferimento administrativo que, na maior parte das vezes, tinha sido baseado
em várias perícias administrativas, realizadas por médicos diferentes nas
dependências das Agências da Previdência. Verificou-se que, em média, o
segurado que ajuíza demanda judicial se submeteu a nove perícias
administrativas diferentes antes de provocar o Judiciário.
Além disso, o projeto acabou
por demonstrar que, ainda que fossem reduzidas as demandas que chegavam à
instrução probatória em razão dos acordos realizados, os médicos peritos
poderiam ser mais bem aproveitados.
A assistência técnica é mais
que um momento de perícia simultânea, é oportunidade de transmissão e
compartilhamento de conhecimentos técnicos para com os peritos judiciais, cuja
importância pode ser claramente demonstrada pela exposição já feita.
Em sequência ao projeto das
perícias prévias, em 2009, a PFE-INSS, no Rio de Janeiro, conseguiu iniciar um
novo projeto de mais amplo objetivo. Formou-se um Núcleo de Assistência Técnica
e Pericial, inicialmente com dois médicos, e os objetivos passaram a abranger a
melhoria da qualidade da perícia judicial, e não apenas acelerar e reduzir o
número de processos judiciais.
Os médicos, chefiados pela
Dra. Adriana Hilu, idealizaram, negociaram e realizaram, em conjunto com a
Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS e o Tribunal Regional Federal
da 2ª Região, uma semana de debates e exposições técnicas especialmente
voltadas para o treinamento dos peritos judiciais. Esse foi o início do
reconhecimento e da divulgação da importância dos aspectos técnicos que
precisam estar presentes nas perícias previdenciárias.
Convidado pelo TRF da 2ª
Região, o NATP da PFE-INSS no Rio de Janeiro elaborou, em conjunto com os
peritos judiciais, quesitação mínima para várias especialidades de
incapacidade. Essa quesitação foi divulgada como orientação aos Juizados
Especiais.
A equipe de médicos foi aos
poucos ganhando credibilidade e força junto à própria Autarquia e, com um
acréscimo no grupo, atualmente com cinco integrantes, passaram a investir nas
assistências técnicas e no novo projeto de perícias conciliatórias.
Perícias
conciliatórias
As perícias conciliatórias
são perícias realizadas em conjunto entre o perito judicial e o médico perito
do INSS, com a confecção de um laudo único, antes da citação do réu, nas
dependências neutras da Justiça Federal. A conclusão pela incapacidade gera concessão
imediata e administrativa do benefício, com pagamento de atrasados de forma
administrativa nos moldes da concessão ocorrida na Agência da Previdência, e
extinção do processo sem julgamento do mérito por perda de objeto.
Os argumentos contrários levantados
quando da ideia do projeto foram: os honorários do perito judicial e do
advogado do autor em razão da extinção do processo, os juros dos atrasados, o
atraso na citação do réu, a possível intimidação do perito judicial em
decorrência da presença do perito do INSS. Analisemos cada um deles.
A PFE-INSS entendeu que os
benefícios trazidos pelo projeto seriam de tal maneira abrangentes que assumiu
o ônus de pagar os honorários periciais dos peritos do juízos, também porque a
perícia aconteceria no corpo do processo de todo modo.
No que tange aos honorários
do advogado, é necessário salientar que não existe condenação do réu a pagar
honorários sucumbenciais em primeira instância nos Juizados Especiais Federais
onde o projeto é operado. Além disso, a relação entre advogado e parte é
contratual e extrajudicial, cabendo aos contratantes definirem o montante e a
forma de pagamento dos honorários advocatícios. Afinal, é preciso entender que,
se o processo fosse extinto ou julgado improcedente, as partes teriam que
convergir sobre a questão da mesma forma; portanto, não pode ser pressuposto do
contrato que o advogado só receba por meio do desconto no RPV dos atrasados do
autor.
Em relação aos juros dos
atrasados, que, em caso de concessão administrativa, não são pagos pelo INSS,
houve uma ponderação de valores e interesses. Ninguém quer litigar, o litígio
judicial é desgastante. O benefício de ter o seu direito reconhecido
administrativamente, podendo marcar novas perícias administrativas, prorrogar o
seu benefício e continuar a vida de pronto é bastante interessante para o
autor. De toda forma, caso persista o interesse da parte pelos juros dos
atrasados, basta que o seu advogado peticione emendando a inicial e o processo
seguirá apenas quanto a esta questão.
A postergação da citação do
réu se mostra, diante de todo o contexto benéfico do projeto, mero dado
estatístico fruto do neoliberalismo processual em que se encontra o Judiciário
brasileiro. A busca pela celeridade processual não pode ser o norte da atuação
judicial, nem mesmo nos Juizados Especiais. Dessa forma, ponderando os valores,
o benefício trazido pela possibilidade de solução rápida e pacífica dos
conflitos é muito maior do que o malefício de ter uma estatística de tempo para
a citação prejudicada.
Finalmente quanto ao
argumento da intimidação do perito judicial pela presença do médico perito do
INSS, os fatos trazidos pelo projeto em andamento falam por si.
O laudo único mantém a
independência dos médicos, é preenchido pelo perito judicial na hora da perícia
e preserva espaço para a manifestação sucinta do assistente técnico, também na
mesma ocasião. Com cerca de um ano de funcionamento, as perícias conciliatórias
registram uma concordância de cerca de 95% de suas conclusões, seja pela
incapacidade ou pela capacidade.
Por sua vez, a qualidade dos
laudos periciais realizados isoladamente pelos peritos judiciais aumentou
consideravelmente, o que demonstra, de forma clara, que o trabalho conjunto,
seja pela assistência técnica ou pela perícia conciliatória, colabora para o
aperfeiçoamento técnico na área de perícia previdenciária.
Não parece pertinente a um
perito judicial que atue com certeza e clareza em seu múnus público se intimide
pela presença de outro colega de profissão. Além de direito do réu, a presença
do assistente técnico zela pela correção e idoneidade do ato pericial.
CONCLUSÃO
As demandas de benefício por
incapacidade, em razão da proporção que atingem, vêm recebendo especial atenção
da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS. Os projetos foram se
sucedendo e, no estágio atual, encontra-se em voga o projeto das perícias
conciliatórias.
As perícias conciliatórias,
iniciadas no Rio de Janeiro, vêm apresentando resultados fantásticos e ganharam
visibilidade nacional, com iniciativas adaptadas às necessidades locais
surgindo em várias cidades.
Nas dimensões atuais, não é
possível ao quadro do Núcleo de Assistência Técnica Pericial da PFE-INSS, no
Rio de Janeiro, implantar o projeto em todas as especialidades médicas – foram
inicialmente abrangidas pelo projeto as especialidades mais comuns nas demandas
judiciais: ortopedia e psiquiatria. Além disso, há Juizados que não permitiram
o início do projeto em seus processos, locais em que o NATP atua por meio de
assistência técnica simples, mas também não consegue acompanhar todas as
perícias por falta de pessoal.
Pode-se concluir, portanto,
que, antes de avançar, no atual estágio, o trabalho precisa se concentrar no
aumento dos quadros médicos do INSS, seja para melhorar a velocidade do
atendimento nas agências, bastante reduzida nos últimos anos, seja para
investir e melhorar a sua defesa judicial. As ideias e a boa vontade já existem
e os projetos em andamento demonstram viabilidade de grande sucesso, falta
apenas o instrumento humano.
Procuradora Federal da
Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS no Rio de Janeiro,
Advocacia-Geral da União da Procuradoria Regional da PFE-INSS da 2ª Região,
Pós-Graduada em Direito Constitucional pela Universidade Estácio de Sá,
Pós-Graduada em Direito Público e Privado pela Universidade Estácio de Sá –
EMERJ, Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.
REFERÊNCIAS
KAUSS, L. F. A redução de
demandas previdenciárias. Revista IOB Trabalhista e Previdenciária, Porto
Alegre, a. XXI, n. 247, 2010.
NUNES, D. J. C. Processo
jurisdicional democrático – Uma análise crítica das reformas processuais. 1.
ed. Curitiba: Juruá, 2008
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