Empresa exigia que seus
empregados, ao serem demitidos, tivessem de recorrer à Justiça do Trabalho... a
fim de receber as verbas rescisórias
Fonte | TST - Segunda Feira,
04 de Março de 2013
A Quarta Turma do Tribunal
Superior do Trabalho (TST) condenou a Empresa de Transportes Transbel Rio
Ltda., de Belém (PA), a pagar indenização de R$ 100 mil, a título de danos
morais coletivos, por exigir que seus empregados, ao serem demitidos, tivessem
de recorrer à Justiça do Trabalho a fim de receber as verbas rescisórias. Para
a Turma, essa prática configura fraude processual e ato atentatório à dignidade
da justiça, além de lesar os direitos dos trabalhadores por meio de acordos
simulados.
O processo teve início em
ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) na 11ª
Vara do Trabalho de Belém. Nela, o MPT relatou que, em 2004, foi alertado pela
própria Justiça do Trabalho da 8ª Região (PA-AP) e pelo Sindicato dos
Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Pará de que a empresa se
utilizava da Justiça do Trabalho como "órgão homologador" de
rescisões contratuais por meio de lides simuladas. Segundo a inicial,
praticamente todos os empregados demitidos tinham de buscar o amparo artificial
da Justiça para receberem as verbas rescisórias.
Diversos depoimentos
confirmaram a prática: os trabalhadores e o próprio preposto diziam ser uma
"norma da empresa" mandá-los ajuizar ações trabalhistas para receber
o pagamento. Em 2001, por exemplo, a Transbel demitiu 43 empregados, dos quais
41 buscaram a Justiça para receber os valores da rescisão. Em 2003, o mesmo se
deu com todas as 19 demissões efetuadas. "O uso do Poder Judiciário para
homologar rescisões contratuais por intermédio de lides simuladas não é
alternativa lícita", afirmou o MPT."Muito menos lícito é o retardo no
pagamento das verbas rescisórias e a busca da chamada ‘quitação geral' do
contrato de trabalho, ou das verbas postuladas, frustrando o efetivo acesso ao
Poder Judiciário pelos trabalhadores, para reparação de eventuais lesões a seus
direitos".
Pior ainda, assinalou a
inicial da ação civil pública, era a prática da empresa de, além de pagar a
rescisão em atraso, fazê-lo em valores inferiores ao devido – excluindo, quase
sempre, os 40% sobre o FGTS. Outra irregularidade era a identificação de
parcela elevada do acordo como verbas indenizatórias, reduzindo, assim, a
arrecadação das contribuições previdenciárias.
Legitimidade
A Justiça do Trabalho da 8ª
Região (PA-AP) inicialmente rejeitou o pedido do MPT de condenar a empresa a se
abster de adotar tal prática e de pagar indenização por danos morais coletivos,
e extinguiu o processo sem julgamento do mérito com o fundamento da
ilegitimidade do Ministério Público para propor a ação. Segundo o Tribunal
Regional do Trabalho da 8ª Região, o objetivo da ação – fazer com que a empresa
cumprisse a lei trabalhista – poderia ser alcançado pela atuação da Delegacia
Regional do Trabalho, "órgão que tem o dever de fiscalizar e multar
aqueles que não cumprem as normas previstas na CLT".
A Quarta Turma do TST,
porém, ao julgar o primeiro recurso de revista no processo, reconheceu a
legitimidade do Ministério Público e determinou o retorno do processo ao
primeiro grau, para que fosse examinado o mérito.
A nova sentença julgou o
pedido totalmente improcedente e, novamente, o TRT-8 a manteve. O fundamento
foi o de que a imposição da obrigação de não homologar judicialmente a rescisão
configuraria cerceamento do direito fundamental de acesso à Justiça. Para o
TRT, uma sentença judicial que impedisse o acesso ao próprio Judiciário seria
"uma aberração jurídica".
Desrespeito à ordem jurídica
Ao recorrer, novamente, ao
TST, o MPT defendeu que sua atuação em sede de tutela inibitória não implicaria
vedação do livre acesso à Justiça, e ressaltou que a jurisprudência rejeita a
tentativa de utilização do Judiciário como órgão meramente
"carimbador" das rescisões contratuais. Sustentou, ainda, que
"negar a qualquer pessoa", inclusive à instituição Ministério
Público, o direito de requerer o cumprimento da lei seria "negar a própria
inafastabilidade da jurisdição e o princípio da legalidade". Finalmente,
insistiu que a prática reiterada da empresa de descumprir o artigo 477 da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT) caracteriza desrespeito à ordem jurídica, passível,
portanto, de condenação por dano moral coletivo.
Ao examinar o recurso, a
relatora, ministra Maria de Assis Calsing, destacou que a ação civil pública
foi instaurada a partir de procedimento administrativo que, por sua vez, foi
motivado por ofício da própria Justiça do Trabalho, no qual se noticiava que o
preposto da Transbel, numa das ações trabalhistas, confessou a utilização do
Judiciário como mero "joguete" homologador das rescisões.
Lembrando que a legitimidade
do MPT já foi decidida no recurso anterior, a ministra afirmou não ver nenhum
impedimento para, diante de um ilícito, a utilização da tutela inibitória, de
caráter preventivo, com fixação de obrigações de fazer e de não fazer. O
fundamento para tal, ressaltou, está no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição
Federal, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito".
A ministra afastou também a
alegação de desrespeito ao direito de acesso à Justiça, lembrando que o
Ministério Público é um órgão de defesa da ordem jurídica, cabendo-lhe coibir
ameaças ao direito. "Seria um contrassenso desprestigiar tais valores em
prol do direito da empresa de se utilizar do Poder Judiciário para práticas de
atos simulados", afirmou.
Por unanimidade, a Turma
conheceu do recurso do MPT e julgou totalmente procedente sua pretensão.
Processo nº
RR-200-20.2006.5.08.0011
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